segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Words of a dying

Não suportava mais. Não iria permitir-se suportar mais. Tinha sido dominado, como temia, por aquele cansaço de espírito, de alma.
Era ainda tão novo, tão poucos anos vividos, no entanto sentia-se um velho, no limite do seu tempo. Tinha feito tudo o que era suposto um jovem fazer: obedecer aos pais, rebelar-se, redimir-se, apaixonar-se, magoar, sentir-se traído e abandonado, procurar algo para preencher o vazio que existia em si, ir em busca do seu sonho, desiludir-se, resignar-se à vida que tinha. Apesar do que ainda podia viver e concretizar, sentia-se estranhamente satisfeito e realizado com a sua pequena vida.
Poderia considerar os seus pais como “normais”, vindos, não de famílias extravagantes, ricas e poderosas, de famílias simples e nobres. A sua relação com os irmãos espelhava o que qualquer uma, dita normal entre irmãos, deveria ser: as discussões, as atribuições de culpa, o sentido de responsabilidade pelos mais novos, o orgulho pelos mais velhos. O seu companheiro, o seu amor, depois de tantos efémeros, era tudo o que poderia pedir: apaixonado, feito de pequenos gestos insignificantes, pensava seu amor, mas que para ele de banais pouco ou nada tinham. Preocupava-se (demasiado, por vezes) consigo, com o seu bem-estar. Conseguia reconhecer o mais leve sentimento de infelicidade ou simples desanimo nos seus olhos cinzentos, escuros. Isso perturbava-o: não podia perder-se nos seus pensamentos mais mórbidos sem que o seu companheiro percebesse que algo de errado se passava e o inundasse com perguntas de preocupação, irritantes perguntas, que não o deixavam caminhar pelo seu mundo em paz.
“Não. Não mais.” Disse para si. O cansaço que se apoderava dele, o cansaço que deteriorou toda a felicidade que outrora sentira, perdida não sabe bem em que parte do tempo, consumia-o. Consumiu-o completamente. Não era um cansaço físico, ainda era novo, mas um cansaço psicológico, não, de espírito. Era algo no seu ser que não o permitia mais viver entre o seu companheiro, os seus pais, irmãos e amigos, algo que o amarrava ao seu mundo, que costumava visitar de vez em quando.
Foi, absurdamente, este seu devaneio periódico que o manteve são ao longo dos anos, mas que agora ameaçava consumi-lo. Não suportava mais aquelas perguntas incomodativas do seu companheiro, que nenhuma felicidade via nos seus olhos há tanto tempo.
“É tempo. Perdoem-me.”
O sentimento que aquela preocupação, aquelas perguntas lhe transmitiam, ser-se desejado, amado, querido por alguém, deixaram de ser suficientes. A sua família. Os seus amigos. As possibilidades da vida, desta vida. Nada mais era suficiente.
Levantou-se da sua cama. Olhou-se uma última vez ao espelho: aquele novo pijama azul de flanela era um contraste ridículo com o seu estado de espírito, como que de uma ironia se tratasse. Os seus olhos cinzentos estavam secos, sem lágrima alguma derramada ou prestes a sê-lo, mas o seu ser chorava pelos que deixava para trás.
“Não compreenderão. Não têm como fazê-lo. Mas é tempo.”

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Killing thoughts

Aquele turbilhão de pensamentos não parava de a incomodar. Todos os dias um novo cenário se formava na sua mente, a sua imaginação cada vez voava mais alto, em jeito de compensação do que sentia faltar na realidade. De cada vez que estavam juntos, ela não conseguia deixar de pensar nos possíveis sinais que ele lhe transmitia. Mas, nada acontecia. Tudo permanecia igual. O que era aquilo? O que queria ele?
Os sinais, pensava, estavam lá. Mas, alguns actos e palavras faziam cair por terra toda aquela ideia, aquela fantasia, que ela havia construído em redor dos dois. Não tardavam a ser esquecidos. Algo sempre puxava pela sua imaginação, pelo seu lado optimista, tão difícil de encontrar em si.
Apenas as visualizações que tinha na sua mente dos dois juntos, das suas conversas mais íntimas, dos seus gestos mais carinhosos, faziam odiar-se a si própria, perguntando-se pela razão do seu subconsciente a assombrar constantemente com tais pensamentos.
– Há algo que não compreendo. – disse-lhe, finalmente, um dia.
– O que é? – respondeu ele, na sua voz forte mas, no entanto, doce aos ouvidos dela.
– O que somos?
– Não estou a perceber onde queres chegar…
– Nós. Estes encontros, estas conversas… – a sua voz tremeu – estes sinais que, por vezes, penso ver.
– Somos o que sempre fomos, não? – perguntou, hesitante.
– E, o que é isso? – a impaciência parecia começar a percorrê-la.
– Bem… precisamos mesmo de pôr um rótulo? Quer dizer, qual a necessidade de dar um nome a isto?
– O futuro. É essa a necessidade. – respondeu-lhe, agora, firmemente.
– Tens queixas do presente? Relativamente a nós?
– Gostava de ter certezas. Apenas isso… – a sua voz esmoreceu no fim.
Ele havia notado isso, pelo que lhe respondeu – Não sei como nos rotular. Gosto destes momentos, das nossas conversas. Eu mesmo me pergunto, às vezes, no que poderá ou não dar, se poderá haver algo mais para além disto. Mas, prefiro não saber. Prefiro descobrir com o tempo, sem aviso prévio.
Ela não sabia o que retorquir. Era exactamente o contrário de si. Ela ansiava saber, preferia a verdade crua à ilusão. Assim, poderia prevenir-se. Mas, ele não.
Então, reparou noutra coisa: ele não tinha respondido negativamente. Não lhe tinha dado qualquer certeza, mas também não tinha roubado toda a esperança. Esperança… uma sensação de calma percorreu todo o seu corpo e alma, e um sorriso esboçou-se no seu íntimo.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Ecstasy

Lembras-te? Lembras-te da última vez em que sentiste o êxtase de alegria? Lembras-te de quando foram os teus últimos momentos de pura felicidade? De quando não tinhas qualquer preocupação ou, porque a felicidade era tão exuberante, as tuas preocupações pareciam insignificantes?
Quando foi que a deixaste escapar? Quem ta roubou? O que ta roubou? E, quando é que abriste os olhos e viste que a tinhas esquecido no passado?
Agora, que olhas para trás e revives pelas tuas memórias tantos daqueles momentos, sentes-te um pouco idiota por outrora pensar que aquilo não era felicidade, aquilo não era o melhor que poderias ter. E se, por mero e mísero acaso, foi? Porque, o que sentes agora é que, a vida te consome, todos os dias um bocadinho mais, e em moeda alguma te paga. Todos os dias rouba-te um pouco mais do que já não sentes ter.
O ideal de felicidade que esperavas que chegasse um dia é, provavelmente, passado. Mas, por tão focado que te manténs no futuro, deixaste-o escapar sem saborear, como quem come a correr e mal mastiga, privando-se quase do verdadeiro sabor da comida que é, afinal, o autêntico prazer.
Resta-te, então, a vida. Oferecer, dia-a-dia, mais de ti. Cansar-te. Gastar-te. Viver para morrer. Isto quando te esqueces de andar e saborear em vez de correr. E, só depois de o momento passar é que a epifania se dá. Tarde demais, sempre.