Não suportava mais. Não
iria permitir-se suportar mais. Tinha sido dominado, como temia, por aquele
cansaço de espírito, de alma.
Era ainda tão novo,
tão poucos anos vividos, no entanto sentia-se um velho, no limite do seu tempo.
Tinha feito tudo o que era suposto um jovem fazer: obedecer aos pais,
rebelar-se, redimir-se, apaixonar-se, magoar, sentir-se traído e abandonado,
procurar algo para preencher o vazio que existia em si, ir em busca do seu
sonho, desiludir-se, resignar-se à vida que tinha. Apesar do que ainda podia
viver e concretizar, sentia-se estranhamente satisfeito e realizado com a sua
pequena vida.
Poderia considerar
os seus pais como “normais”, vindos, não de famílias extravagantes, ricas e
poderosas, de famílias simples e nobres. A sua relação com os irmãos espelhava
o que qualquer uma, dita normal entre irmãos, deveria ser: as discussões, as
atribuições de culpa, o sentido de responsabilidade pelos mais novos, o orgulho
pelos mais velhos. O seu companheiro, o seu amor, depois de tantos efémeros,
era tudo o que poderia pedir: apaixonado, feito de pequenos gestos
insignificantes, pensava seu amor, mas que para ele de banais pouco ou nada tinham. Preocupava-se (demasiado, por
vezes) consigo, com o seu bem-estar. Conseguia reconhecer o mais leve
sentimento de infelicidade ou simples desanimo nos seus olhos cinzentos,
escuros. Isso perturbava-o: não podia perder-se nos seus pensamentos mais
mórbidos sem que o seu companheiro percebesse que algo de errado se passava e o
inundasse com perguntas de preocupação, irritantes perguntas, que não o
deixavam caminhar pelo seu mundo em
paz.
“Não. Não mais.”
Disse para si. O cansaço que se apoderava dele, o cansaço que deteriorou toda a
felicidade que outrora sentira, perdida não sabe bem em que parte do tempo,
consumia-o. Consumiu-o completamente.
Não era um cansaço físico, ainda era novo, mas um cansaço psicológico, não, de
espírito. Era algo no seu ser que não o permitia mais viver entre o seu
companheiro, os seus pais, irmãos e amigos, algo que o amarrava ao seu mundo, que costumava visitar de vez em
quando.
Foi, absurdamente,
este seu devaneio periódico que o manteve são ao longo dos anos, mas que agora
ameaçava consumi-lo. Não suportava mais aquelas perguntas incomodativas do seu
companheiro, que nenhuma felicidade via nos seus olhos há tanto tempo.
“É tempo. Perdoem-me.”
O sentimento que aquela
preocupação, aquelas perguntas lhe transmitiam, ser-se desejado, amado, querido
por alguém, deixaram de ser suficientes. A sua família. Os seus amigos. As
possibilidades da vida, desta vida. Nada
mais era suficiente.
Levantou-se da sua
cama. Olhou-se uma última vez ao espelho: aquele novo pijama azul de flanela
era um contraste ridículo com o seu estado de espírito, como que de uma ironia
se tratasse. Os seus olhos cinzentos estavam secos, sem lágrima alguma
derramada ou prestes a sê-lo, mas o seu ser chorava pelos que deixava para
trás.
“Não compreenderão. Não têm como fazê-lo. Mas é tempo.”